segunda-feira, 17 de maio de 2010

O analista de pessoas e o seu café filosófico

O primeiro dia da semana(não o primeiro dia comercial) tinha tudo para terminar como mais um, a base de filosofia e quitutes, no Rio Vermelho. Mas, depois de duas ou três horas de analises existenciais e conjecturas sentimentais, surgiu ou ressurgiu a ideia de realizar uma espécie de café filosófico, onde haveria de haver tudo, menos o próprio café. O interessante é que antes do ressurgimento da ideia o meu amigo analista de pessoas, já um tanto cansado, quase conseguindo falar outra “língua”, discorreu um pouco sobre literatura, pois eu havia lhe comentado sobre o livro que estou a ler, sempre após deitar, para convidar o sono que sempre me cansa de tanto esperar. O Verdade Tropical se mostra familiar para mim, pois acompanho o seu autor de longas datas, desde que descobri ser dele uma música que repetia várias vezes, na abertura de um seriado da televisão Globo, a pergunta “por que não?” percebi que não se tratava apenas de uma personalidade, a qual ouvia falar desde que “me entendia por gente”. Eu era criança mas a frase me parecia ter um cunho de rebeldia e eu gostei. Aproveitando minha retomada a esta mídia, com esta nova publicação, quero registrar que minha relação com a literatura “transversal” tem se estreitado. O último livro que li falava sobre cultura (Cultura – um conceito antropológico, Roque Laraia), o qual cita várias vezes, evidentemente não por acaso, o antropólogo Claude Lévi-Strauss. Ao ler o nome dele, sempre era remetido a canção “Estrangeiro” (porque esta o cita) que me remetia a Caetano, naturalmente. Aos mais desatentos devo parecer ter perdido a motivação que me levou a criar este blog, se observado o primeiro “post”, ou a primeira publicação. Mas se observarem continuo a buscar o assunto cultura(sendo cyber ou não). E não à toa me interessei em colocar na minha lista dois livros(Morte e vida Severina / Grande Sertão:Veredas) que retratam nossa cultura e que foram citados no Verdade, nas primeiras páginas.

“O amor é cego/ Ray Charles é cego / Stevie Wonder é cego/ E o albino Hermeto não enxerga mesmo muito bem”.

Sempre achei esses versos engraçados, mas, como o escritor se trata de quem se trata, os rapazes, artistas e realmente cegos, não foram citados despretensiosamente. O nosso analista, não o Mahatma, mas o autonomeado Gandhi, após eu citar as citações do Verdade sobre Ray Charles, me explicou sobre a estética musical desses dois músicos e o marco que foram na música estadunidense. Confesso que ignoro muita coisa, isso mundialmente falando, talvez por confiar nas minha lentes pelas quais enxergo a conjuntura musical do planeta. Mais cedo ou mais tarde essas lentes me trazem as coisas que são boas e acho que essa é a grande "coisa" do Tropicalismo. Algo que parte do samba caymmiano e é capaz de absorver, digerir e devolver coisas como Billie Jean, bossanovizada por Caetano. Achei interessante quando cantarolei a canção incidental dessa versão de Billie Jean: “Tava jogando sinuca / Uma nega maluca me apareceu / Vinha com um filho no colo / E dizia pro povo / Que o filho era meu”, e meu pai comentou que se tratava de uma canção antiquíssima, de sua época de criança.

Mas, após esse rodeio em Itapoan, via Ribeira, volto ao café filosófico, regado à Malbec Seco (2 vezes mais encorpado..rs). Começamos com recitais de poesias de Manoel Bandeira, intercalados por comentários sobre sua obra e tendo como música de fundo, não por culpa minha, o disco “Uns”. Estávamos em três, quando chegou o quarto elemento acompanhado, muitíssimo bem, pela primeira e então única flor do café. Trouxeram-nos ninguém menos que Pablo Neruda, num book de bolso certamente comprado em alguma loja de conveniência bem conveniente. Alguém teve também a ideia de convidar um rapaz cuja incultura literária não permitira-me conhecer até então: Thiago de Mello. Parece com nome de jogado de futebol, mas trata-se de mais um bom poeta. Nos divertimos lendo as poesias que são intituladas pelos signos do zodíaco. A brincadeira era um recitar a poesia condizente ao signo do outro. A sobre escorpião teve tudo a ver, embora eu tenha desenvolvido certo ceticismo sobre essas coisas. Foi rico o exercício coletivo da expressão sentimental. O pai da turma ao usar sua emoção poética. O quarto elemento ao se desinibir com o violão. O anfitrião, feliz, demonstrando sua satisfação em realizar o encontro e forjando choros engraçados. Também eu, atento para não concorrermos com Maria Bethânia, a quem havia acabado de resgatar na estante de discos. Por fim, a flor que, gentilmente, participou daqueles momentos de amizade e contemplação à arte brasileira. Como consolo, ficou a promessa do café filosófico número dois.